domingo, 26 de novembro de 2006

1923-2006


Faleceu Mário Cesariny, figura de proa do movimento surrealista português, pintor e poeta que foi ao encontro de uma exploração da linguagem; autor, entre outras, de «Pastelaria»:

«Afinal o que importa não é a literatura / nem a crítica de arte nem a câmara escura
Afinal o que importa não é bem o negócio / nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio
Afinal o que importa não é ser novo e galante / - ele há tanta maneira de compor uma estante
Afinal o que importa é não ter medo: / fechar os olhos frente ao precipício / e cair verticalmente no vício
Não é verdade rapaz? E amanhã há bola / antes de haver cinema madame blanche e parola
Que afinal o que importa não é haver gente com fome / porque assim como assim ainda há muita gente que come
Que afinal o que importa é não ter medo / de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente: / Gerente! Este leite está azedo!
Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo / à saída da pastelaria, e lá fora / – ah, lá fora! – rir de tudo
No riso admirável de quem sabe e gosta / ter lavados e muitos dentes brancos à mostra.»

in Nobilíssima Visão (1945-1946), in Burlescas, Teóricas e Sentimentais (1972)

1 comentário:

Anónimo disse...

EXCELENTE POEMA ESTE!
Portugal ficou mais pobre...